Ela era ainda
muito nova, quando seus pais perceberam seu temperamento audacioso e a mente
inquieta.
Única menina entre
quatro irmãos, surpreendia a todos quando abandonava as delicadas bonecas, presentes
caros que recebera, e corria pelo quintal em barulhentas brincadeiras com os
irmãos. Sem sentir medo, subia até os últimos galhos das mangueiras, e trazia
consigo doces frutos para ofertar à mãe.
Outras vezes saía
a perseguir calangos, para transformálos em seres mágicos, com quem conversava
por horas, antes de soltálos no jardim.
Algumas vezes
voltava para casa com cicatrizes dolorosas: sinais de quedas ou aventuras pela vizinhança.
Nessas ocasiões, ouvia de cabeça baixa as infindáveis recriminações dos pais, e
aceitava sem rancor o castigo imposto: dias sem sair de casa, em que ficava à
janela olhando o jardim.
Mas depois de
algum tempo, durante uma tarde com o pai, bastava que o envolvesse pelo pescoço
e prometesse se comportar, para que ele cedesse às suas vontades, e de novo a
libertasse para o sol do quintal, e inúmeras brincadeiras que aquele ambiente
proporcionava.
Até que um dia, a
idade de estudar chegou, e os pais decidiram que a menina de cabelos desalinhados,
joelhos marcados e sujos, iria, como todas as meninas na época, para o colégio interno.
Nem mesmos as lágrimas derramadas, e o pavor estampado nos doces olhos da
criança, foram capazes de comover a família.
Quando partiu,
deixou para trás todos os sonhos e fantasias infantis, e enfrentou com um
mínimo de coragem a nova vida que lhe foi apresentada.
Trocou o quintal
pelas salas de estudo, e as brincadeiras pelas orações e tarefas da escola. Aos
poucos deixou de lembrar do pomar, dos pequenos animais e as corridas com os
amigos. Se esqueceu das flores que colhia e prendia nos cabelos, e da fonte do
jardim, onde se sentava e mergulhava os pés na água fria.
E quando, por fim,
voltou, já mulher feita, andou pela casa à procura de lembranças. Visitou os
quartos, abriu janelas e gavetas à procura de antigos objetos.
Ao fim do dia se
sentou perto da janela, e abrindo um pequeno caderno que trouxera consigo, começou
a escrever. Contou a história da menina que amava a liberdade e o sol no rosto, e vivia em um quintal encantado, de onde não precisava sair nunca, e onde estavam todas as alegrias que uma criança devia viver.