Todos na cidade
conheceram a história daquela senhorinha.
Contava-se que nascera
em família abastada mas depois de recusar um casamento arranjado entre
famílias, tinha preferido viver de forma mais simples, na pequena casa próxima
ao rio.
Depois disso, fora
professora por muitos anos, e pelas suas mãos de mestra tinha passado a da
maioria das crianças da pequena cidade, e com isso acabara se tornando uma
espécie de "conselheira", que recebia a todos sempre com um sorriso
amável e acolhedor.
Quem passava pela
estreita rua de pedras, fosse em dias de chuva ou de sol, podia vê-la sentada
na velha cadeira de balanço da varanda, costurando colchas de retalhos com
grande habilidade.
Algumas vezes um
antigo aluno, já um adulto, vinha cumprimenta-la. Chegava e sentava-se perto
dela, no degrau de entrada, e começava a falar da própria vida. Ela ia
assentindo com a cabeça, murmurando para que ele "seguisse o coração"
ou, dependendo do assunto, que "deixasse nas mãos de Deus".
Muitas moças
vinham pedir conselhos para corações partidos e desilusões de amor. Ela ouvia
quieta, olhos baixos na costura no colo, até que tudo fosse revelado e as
lágrimas esgotadas. Então se levantava, buscava xícaras de chá bem doce, e
iniciava uma conversa sobre o poder de cuidarmos de nossas próprias feridas,
até se tornarem pequenas cicatrizes e serem esquecidas.
Outras vezes, mães
traziam seus filhos pequenos e os colocavam em seu colo. Pediam uma
"benção" de saúde, ou contavam proezas que a faziam rir espantada, e
os abraçar como se fossem netos queridos, ou filhos que nunca tivera.
Embora muito
querida, poucos visitantes chegaram a observar melhor os delicados trabalhos de
costura feitos por ela. Por isso não viam a exatidão com que ela cortava cada
retalho, depois de uma escolha entre os tecidos separados e guardados segundo
uma lógica só dela, e que ia muito além da mera seleção de cores e padrões.
Assim, nunca
souberam que cada colcha de retalhos contava uma parte de sua história, e que
aquela tinha sido a forma que escolhera para retratar seu passado, e as emoções
vividas ao longo dos anos. Ela guardava suas memórias costuradas e bem
dobradas, transformadas em uma forma especial de livros, que só ela
interpretava.
Em uma das primeiras, feita quando ainda era menina, via-se uma mistura de
tecidos alegres: pequenos animaizinhos, flores e frutas nas estampas que
escolhera junto com mãe, enquanto aprendia a costurar. Dessa época tinha outras
em diferentes tamanhos, todas retratando algo de particular através dos
desenhos e cores.
Em uma outra, tons
cinzas e desenhos apagados registraram o ano em que perdeu os pais, e a
lembravam dos longos meses em vigília ao lado de camas de hospital, em que só a
costura lhe deu esperanças.
Uma das
prediletas, guardada com carinho em um armário, fora feita com retalhos de
tecidos presenteados pelas crianças da escola, e que era uma mistura de
desenhos de flores, de todas as cores e formatos.
Junto dela, uma
outra inacabada, pois a alegria com que começara, vista na escolha por estampas
com corações e rosas, se desfizera com a partida de grande amor.
Ela nunca tinha
pensado em se desfazer das colchas, e sempre que terminava uma, a dobrava e
guardava com carinho, como a um livro escrito com muito esforço e sentimento, e
que ninguém chegaria a ler.
Essa doce senhora
ainda vive, e embora mais lentamente, continua a costurar seus retalhos e dar
os seus conselhos.
Velha aluna, ainda
ontem a visitei e pedi que me abençoasse. Senti nas suas mãos trêmulas uma fé
inabalável, e as beijei em sincero agradecimento ao me despedir.
Quando saía, toquei
a colcha quase terminada em seu colo, e observei que era de retalhos com
desenhos de nuvens brancas, em um céu azul límpido e claro.
(foto Poetas Trabajando)