Um dia, quando eu era ainda
criança, encontrei uma caixa de madeira entre as flores de um canteiro. De
imediato me encantei com aquele pequeno tesouro.
Me lembro que na tampa tinha o
desenho de uma borboleta azul, já desbotado, e embora estivesse trancada,
alguém tinha amarrado a chave na própria fechadura. Tudo isso me pareceu,
naquele dia, um sinal de que o dono não se importaria que eu descobrisse o
conteúdo, então a levei comigo.
Cheguei em casa com o coração aos
saltos, apressada e ansiosa para me trancar no quarto e saborear a descoberta,
longe dos olhos de qualquer pessoa que pudesse reivindicar o achado.
Dentro da caixa havia um par de
óculos, de armação tão transparente quanto as lentes, muito leve e delicado. Ao
coloca-los, tive uma surpresa: eles ficavam quase que invisíveis no meu rosto,
e poderiam até passar despercebidos.
Durante o resto da tarde vaguei
pela casa, esperando que alguém elogiasse meus lindos óculos transparentes.
Ninguém parecia notá-los, mesmo quando eu sorria e piscava insistentemente.
Devo ter dormido com os óculos
naquela noite, não me lembro, mas no café da manhã estava com eles sobre o
nariz, feliz e confiante. Eu tinha desistido de mostrá-los à família, e como ninguém
comentou, passei a acreditar que só eu os podia ver. E passei a usá-los o tempo
todo.
Já no primeiro dia, descobri o
efeito mágico daquelas lentes: eram capazes de me mostrar o que ninguém mais
via – seres encantados, amigos de todas as crianças capazes de sonhar e viver
fantasias não imaginadas pelos adultos.
A partir de então, meus dias tinham
cor e magia. Por onde andava, via seres
fantásticos, que eu conhecia dos livros de histórias. No jardim conheci fadas
agitadas, voando para cá e para lá, em suas tarefas com as flores. Nem sequer
se importavam com os unicórnios, que pastavam a grama sem qualquer cerimônia.
Ao ir para a escola, um dos gnomos sempre me acompanhava, e ia ditando palavras
estranhas pelo caminho. Também conheci os minúsculos homenzinhos que moravam
dentro da tomada de meu quarto, e se sentavam nos meus livros de colorir. Eram
eles que escondiam os lápis e borrachas que nunca mais eram encontrados.
Tamyra era uma “elfa órfã”, que
tinha se perdido dos outros enquanto atravessava a rua. Eu a escutei chorando,
e a procurei durante uma manhã inteira, até acha-la encolhida em uma moita
junto ao muro. Depois disso, nos tornamos grandes amigas, e ela dormia bem ao
lado da minha cama.
Algumas vezes minha mãe entrava
no quarto, ou interrompia nossas brincadeiras no quintal, e perguntava com quem
eu conversava tanto. Minha mãe não tinha óculos como os meus, por isso não via
nenhum dos meus amigos, por mais que eu explicasse para ela.
Vivi anos de encantamento. Todos
os dias, logo ao acordar, colocava meus óculos e com eles ficava até o momento
de deitar, para que pudesse ver todos aqueles seres lindos e amigos. Com eles
aprendi todas as histórias e canções, e também as danças da primavera, que
faziam brotar as flores que coloriam nosso jardim.
Mas à medida que ficava adulta, meus
óculos mágicos iam ficando pequenos e apertados para mim. Até que eu já não
conseguia usá-los, e por não ver os amigos especiais, as conversas e
brincadeiras foram se acabando.
Com o tempo já não via as fadas,
nem unicórnios ou os outros seres que eram meus melhores amigos.
Guardei os óculos na mesma
caixinha de madeira, e a coloquei entre as fotografias de minha infância.
Em algumas manhãs, ainda escuto o
bater de asas das fadas sob a minha janela, ou perco pequenos objetos no
quarto, mas nunca mais vi meus amigos encantados.
Espero que ainda existam muitos
outros óculos, para que toda criança possa, mesmo que por apenas um tempo, ver o mundo
com o colorido mágico, e ter amigos fantásticos, como eu tive.
Acho trágico que a maioria das pessoas se esqueça dessas experiências a ponto de as criticar em seus próprios filhos. A mágica da infância relembrada é uma fonte perene de alimentação e descanso da alma.
ResponderExcluirÉ verdade, meu amigo.
ExcluirObrigada pela visita.