Depois de vários dias de chuva,
aquela manhã nasceu luminosa e fresca.
Pude então sair de meu abrigo
entre as folhas.
Me estiquei naquela claridade e
deixei que o sol secasse meu corpo úmido, até que o calor me estimulou ao
movimento, e saí para um passeio solitário.
Ainda era cedo, poucas pessoas
passavam apressadas, me ignorando por completo. Atravessei o pequeno parque,
cheguei ao velho banco de madeira perto da fonte, e fiquei por ali, vendo a grama
verde e crescida.
Eu conhecia bem aquela região.
Tinha crescido ali, e era capaz de identificar os moradores e seus hábitos
diários. Um pouco antes da metade do dia, um movimento anormal, de pessoas indo
e vindo, me conduziu até a última casa da rua. Chegava uma nova família, com
muitos móveis, caixas e malas.
Nos dias seguintes, assim que
acordava, eu voltava à casa, e em uma das pedras do jardim, esperava para
conhecer meus novos vizinhos. Mas as portas permaneciam fechadas, apenas umas
poucas janelas eram abertas, deixando que o vento agitasse cortinas brancas, e
sons de falas abafadas chegassem ao exterior.
Foi então que, em tarde de calor,
fui atraído para uma janela aberta no andar superior da casa. Pensei em chegar
até o parapeito, rendendo-me à curiosidade. Com cuidado fui subindo pelos
galhos da árvore mais próxima, até ficar frente a frente com as vidraças e
poder olhar para o interior daquele quarto.
Um garoto, sentado e apoiado na
janela, olhava fixo para o gramado do jardim. Era um olhar triste, pensativo,
enquanto os lábios permaneciam cerrados e mudos. Ele não me viu a princípio,
por isso me agitei e assobiei com energia.
Percebi o movimento lento das suas sobrancelhas, até que nossos olhares
se encontraram, e a enorme surpresa que teve, quando bati as asas e fui até
ele.
Nos tornamos amigos, com
encontros diários e divertidos. Assim que amanhecia, eu voava até a janela, e
esperava sua chegada. Aos poucos fui entendendo que ele vinha trazido pela mãe,
que o acomodava em frente à janela, colocava uma manta em suas pernas, e abria os
vidros, para que ele pudesse se sentir melhor e observasse o jardim. Depois do
nosso primeiro contato, ele sempre trazia algumas sementes para me presentear,
e ficávamos ali, um ouvindo o outro, até o sol esconder-se, e eu voltar para
meu ninho de folhas.
Certa vez o convidei para irmos
até o banco de madeira. Tive de descer e subir várias vezes, para que ele me
entendesse, e por fim convencesse a mãe a leva-lo até lá. Sentado naquele
lugar, ele tocava o gramado com os pés, podia ver de perto as lindas flores sob
as janelas, e sentir o doce aroma das maçãs, acima de sua cabeça.
Esse passeio começou por ser frequente,
e por fim se tornou diário para nós dois.
Para animá-lo, eu me escondia em
diferentes lugares do jardim, e cantava alto, até ouvir a sua gargalhada
infantil, indicando que sabia onde eu estava.
Fui, aos poucos, o apresentando a
outros amigos: esquilos, outros pássaros, grandes borboletas, barulhentos
grilos e cigarras.
Atraídos pela alegria do filho,
em algumas tardes os pais do meu jovem amigo se juntavam a nós, traziam livros
e cadernos de pintura e se sentavam no chão. Nesses momentos, eu os deixava e
voltava para casa, feliz pela grande harmonia que nascia naquele lar.
Alguns dias atrás, o pai trouxe
de presente um pequeno cachorro. Um animalzinho feliz, irrequieto, que pulava e
mordiscava as perninhas do garoto, ganhando o coração de todos.
Agora já não brincamos juntos
como antes. Vou diariamente até o jardim daquela casa, escolho um dos galhos e
fico lá por um tempo. Meu amigo já não precisa tanto de mim, mas seu sorriso
nasce fácil no momento em que começo a cantar, chamando todos os outros animais
para brincarem com ele...
Interessante é que, enquanto leio suas palavras, sou capaz até de sentir o sol da manhã fria na pele :)
ResponderExcluirObrigada, meu amigo!
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