Ela colecionava pedras.
Começou a juntá-las ainda na
infância, quando se sentava na calçada em frente da casa, para brincar com as
amigas um jogo alegre, em que as pedras eram lançadas para o alto e acolhidas nas
mãos. Para o jogo, eram necessárias cinco pedras, tamanho mediano, e que se
acomodavam nas pequenas mãos, apesar da rapidez dos gestos. Ela sempre tinha as
melhores pedras, escolhidas entre as muitas que encontrava.
Com o passar dos anos habituara-se
a sempre acrescentar mais uma à coleção, que guardava em nichos pelo quintal,
entre vasos de flores ou em cantinhos especiais pela casa.
Dizia que não as escolhia pelas
cores, ou pelos tamanhos, ou ainda pelos formatos. Eram selecionadas pelas
histórias que contavam, mas que somente ela conseguia escutar.
Sendo assim, mostrava as que tinham
vindo de riachos, com suas formas arredondadas e lisas. Explicava como tinham
sido carregadas por correntezas, e as águas, por anos e anos, as tinham polido até
serem encontradas e admiradas.
As pontiagudas protegiam e
sinalizavam onde o homem não deveria pisar, dizia. Dessas tinha poucas,
preferia deixá-las onde a natureza as colocara.
Gostava daquelas brilhantes, que
sempre guardava onde poderiam ser vistas também durante a noite. Para isso tem
tantos reflexos, explicava. As escuras, opacas, eram amontoadas perto de
plantas pequeninas e frágeis, “para que possam sustentar raízes”, mostrava.
Mas se alguém pedia que ela escolhesse uma,
apenas uma entre todas, seus olhos buscavam uma pequena cesta de palha, onde guardava
pedregulhos de todas as cores, encontrados em diferentes lugares. De lá tirava uma
pedra com contornos simétricos, incrivelmente esculpidos pelas águas de um rio
da redondeza. Passava os dedos pela sua superfície e a mostrava na palma da mão.
Tinha o formato de um pequeno pássaro com as asas abertas, e fora encontrada na
margem, sobre a areia. Depois de um minuto de reflexão, ela explicava: “não sei
dizer se foi um passarinho que virou pedra ao cair no rio, ou se foi uma pedra,
que com o movimento das águas e reflexo do céu, se transformou em pássaro para
voar...”
Artista da prosa pética de raro talento! Leitura que prendeu minha atenção completamente. Poder de transferência e tranformação.
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