4 de abril de 2016

O amigo

Depois de vários dias de chuva, aquela manhã nasceu luminosa e fresca.
Pude então sair de meu abrigo entre as folhas.
Me estiquei naquela claridade e deixei que o sol secasse meu corpo úmido, até que o calor me estimulou ao movimento, e saí para um passeio solitário.
Ainda era cedo, poucas pessoas passavam apressadas, me ignorando por completo. Atravessei o pequeno parque, cheguei ao velho banco de madeira perto da fonte, e fiquei por ali, vendo a grama verde e crescida.
Eu conhecia bem aquela região. Tinha crescido ali, e era capaz de identificar os moradores e seus hábitos diários. Um pouco antes da metade do dia, um movimento anormal, de pessoas indo e vindo, me conduziu até a última casa da rua. Chegava uma nova família, com muitos móveis, caixas e malas.
Nos dias seguintes, assim que acordava, eu voltava à casa, e em uma das pedras do jardim, esperava para conhecer meus novos vizinhos. Mas as portas permaneciam fechadas, apenas umas poucas janelas eram abertas, deixando que o vento agitasse cortinas brancas, e sons de falas abafadas chegassem ao exterior.
Foi então que, em tarde de calor, fui atraído para uma janela aberta no andar superior da casa. Pensei em chegar até o parapeito, rendendo-me à curiosidade. Com cuidado fui subindo pelos galhos da árvore mais próxima, até ficar frente a frente com as vidraças e poder olhar para o interior daquele quarto.
Um garoto, sentado e apoiado na janela, olhava fixo para o gramado do jardim. Era um olhar triste, pensativo, enquanto os lábios permaneciam cerrados e mudos. Ele não me viu a princípio, por isso me agitei e assobiei com energia.  Percebi o movimento lento das suas sobrancelhas, até que nossos olhares se encontraram, e a enorme surpresa que teve, quando bati as asas e fui até ele.
Nos tornamos amigos, com encontros diários e divertidos. Assim que amanhecia, eu voava até a janela, e esperava sua chegada. Aos poucos fui entendendo que ele vinha trazido pela mãe, que o acomodava em frente à janela, colocava uma manta em suas pernas, e abria os vidros, para que ele pudesse se sentir melhor e observasse o jardim. Depois do nosso primeiro contato, ele sempre trazia algumas sementes para me presentear, e ficávamos ali, um ouvindo o outro, até o sol esconder-se, e eu voltar para meu ninho de folhas.
Certa vez o convidei para irmos até o banco de madeira. Tive de descer e subir várias vezes, para que ele me entendesse, e por fim convencesse a mãe a leva-lo até lá. Sentado naquele lugar, ele tocava o gramado com os pés, podia ver de perto as lindas flores sob as janelas, e sentir o doce aroma das maçãs, acima de sua cabeça.
Esse passeio começou por ser frequente, e por fim se tornou diário para nós dois.
Para animá-lo, eu me escondia em diferentes lugares do jardim, e cantava alto, até ouvir a sua gargalhada infantil, indicando que sabia onde eu estava.
Fui, aos poucos, o apresentando a outros amigos: esquilos, outros pássaros, grandes borboletas, barulhentos grilos e cigarras.
Atraídos pela alegria do filho, em algumas tardes os pais do meu jovem amigo se juntavam a nós, traziam livros e cadernos de pintura e se sentavam no chão. Nesses momentos, eu os deixava e voltava para casa, feliz pela grande harmonia que nascia naquele lar.
Alguns dias atrás, o pai trouxe de presente um pequeno cachorro. Um animalzinho feliz, irrequieto, que pulava e mordiscava as perninhas do garoto, ganhando o coração de todos.

Agora já não brincamos juntos como antes. Vou diariamente até o jardim daquela casa, escolho um dos galhos e fico lá por um tempo. Meu amigo já não precisa tanto de mim, mas seu sorriso nasce fácil no momento em que começo a cantar, chamando todos os outros animais para brincarem com ele...

2 comentários:

  1. Interessante é que, enquanto leio suas palavras, sou capaz até de sentir o sol da manhã fria na pele :)

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