Ontem, caminhando pela praia, encontrei o Poeta.
Ele vinha devagar, deixando que vento agitasse seus cabelos e
a areia brincasse com seus pés descalços.
Não sorriu, mas aceitou minha mão e seguimos juntos, dedos
entrelaçados, caminhando lado a lado, dividindo aquele fim de tarde de céu
rubro e brisa fresca.
Meu coração batia acelerado, pressentindo toda a agitação
interior que ele trazia consigo.
Quando as estrelas chegaram, deitamo-nos na areia úmida para
admirá-las. Acima do som do mar, ouvi a sua voz:
_ Já não consigo escrever sobre as estrelas, nem decifrá-las,
por isso não consigo acrescentar nada às noites escuras e solitárias. Passo os
dias à espera delas, mas quando a noite chega apenas a angústia toma o meu
coração. São tantas, e tão diferentes entre si, que minha escrita já não consegue
dar-lhes voz.
_ Então vamos ficar aqui – respondi – sob esse céu, saciados apenas
com a visão que elas oferecem.
Ali, no silencio, senti que as ondas chegavam, tocando de
leve nossos pés. Seu riso fraco chegou aos meus ouvidos.
_ Quando eu era criança- disse - fitava o céu à espera que uma estrela cadente cruzasse
e realizasse meus pedidos. Fiz tantos, e grande parte realmente se concretizou.
_ Acredita então nas estrelas, Poeta?
Ele não respondeu de imediato, e quando falou tinha os olhos
brilhantes e vidrados.
_Acredito nas estrelas e nos sonhos que elas guardam. Na
esperança que os corações têm de atingi-las, e também na infinita distância de
onde me observam.
Um tremor percorreu sua mão. Apertei mais forte seus dedos,
lembrando-lhe que estávamos juntos, e eu sempre o apoiaria. O Poeta nunca me
pareceu tão frágil, por isso tentei encontrar as palavras certas para aquela
conversa.
_E por que precisa tanto delas?
_Para descrever a luz quando o mar se aproxima, e o reflexo
que faz brilhar a areia da praia. Sem elas não se vê o arrepiar na pele,
provocado pela brisa, ou o amor refletido no olhar do amante que espera. Sem elas
meus versos ficam presos à terra, sem sonhos nem voos.
Virei-me para fitá-lo, e percebi as
lágrimas que corriam pelo rosto tenso. Me ocorreu que elas também vinham em
ondas, como aquele mar.
Senti um frio percorrer minha pele
até à garganta, impedindo minha voz. Me faltaram palavras perante aquela dor.
Alí perto soaram acordes de um
violão, e minutos depois uma voz iniciou uma canção. Era uma balada de amor,
vinda de uma das casas ao longo da praia, e por alguns momentos ficamos ambos a
ouvi-la, quietos e pensativos.
Ao final, ele voltou a falar.
_ Até mesmo a música precisa das
mensagens das estrelas, percebe? Sem a poesia os corações padecem e se tornam
infecundos...
Era possível perceber as aflições do
espírito que faziam com que ele respirasse forte, como um gemido surdo.
Foi então que nossos dedos se soltaram,
e o Poeta se levantou.
Não disse adeus,
apenas me fitou com a ternura com que os poetas trazem nos olhos, e partiu sem
olhar para trás.
Vi seu vulto afastar-se e lamentei a solidão que agora nós
dois sentíamos, mas que não podíamos evitar. Ele tinha uma angústia dolorosa, difícil
de descrever e, incapaz de suportá-la, perdoei sua partida.
Ao vê-lo já longe, pensei no preço que pagamos por não sermos
apenas um, mas sim todos os que somos capazes de viver e interpretar. Uma
eterna luta que atormenta aqueles que leem as estrelas ou escutam as ondas do
mar.
As suas palavras marcaram meu coração com a mesma força, e da
mesma forma com que a poesia sempre costuma fazer, em noites como aquela.
Muiiiiito bom !
ResponderExcluirLindo.
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