Ele soube que teria problemas com
a vizinha logo na primeira semana na nova casa.
Naquele domingo, depois de poucas
horas de sono, foi acordado pela voz de um locutor de rádio que parecia estar
muito longe dali:
“_ Bom dia amigos do campo, bom
dia gente da cidade! Vamos levantar e tomar um cafezinho!”
Então, como fundo musical ao
cumprimento, o canto estridente de um galo.
Ele colocou a cabeça sob o
travesseiro, na tentativa de voltar a dormir. Foi inútil. Depois de alguns
segundos, com o volume ainda mais alto, uma música que ele desconhecia o despertou
definitivamente.
Levantou-se, abriu parte da
cortina, e espiou a casa vizinha ao lado. Através da janela também aberta viu
que uma senhora, cabelos brancos e gestos alegres, circulava pela cozinha.
Cantarolava junto com a música no rádio e, ao se virar, seus olhos se
encontraram.
Ela abriu um sorriso bondoso, e
acenou para ele.
“_ olá vizinho! Lindo dia, não
acha?”
Não respondeu. Fechou a cortina
com rapidez, resolvido a ignorar a pessoa. Estava visivelmente aborrecido. Mas
ao longo daquele dia foi observando sua vizinha pelas janelas e acompanhando a
sua rotina. Era algo que não conseguia evitar, por mais que estivesse irritado
com o barulho que ela fazia, e com o cachorro que latia freneticamente, cada
vez que o via espiando a casa.
Naquela manhã de domingo ela
parecia ocupada, entre panelas e portas do armário, que abria e fechava a todo
instante. Viu quando preparou a mesa para o almoço e foi para a entrada da casa.
Ali ficou por muito tempo, afagando o cão e com olhos fixos no portão, como se
esperasse alguém.
Ele foi testemunha da sua decepção,
visível no rosto triste, quando depois guardou os pratos postos, dobrou o forro
florido da mesa e o guardou na gaveta. O rádio continuava em alto volume, mas
ela já não acompanhava as canções, e logo o desligou.
No fim da tarde percebeu quando
ela, arrumada e penteada, pegou uma pequena bolsa e saiu de casa. O cãozinho
ficou no portão, obediente à ordem de sua dona.
Algum tempo depois ouviu o portão
sendo aberto. Chegou à janela a tempo de ver o pequeno terço lhe caindo das
mãos, ao tentar abrir a porta de entrada. Foi à missa, pensou. Ao acender as
luzes ela o viu à janela, mas desta vez não fez qualquer gesto, e desviou o
olhar.
Ele acabou se acostumando a
levantar muito cedo todos os dias, despertado pelos ruídos na cozinha vizinha,
e o cheiro do café que atravessava as janelas. A senhora era pontual, e antes
mesmo do sol nascer era possível ver as luzes acesas e janelas abertas na
pequena casa.
Quando ele voltava, ao final do
dia, sempre a via alimentar o cachorro e apagar as luzes. Depois tudo
silenciava, e só então ele se deitava para dormir.
Aos amigos, ele contava das
noites curtas, da senhora inquieta e do rádio que o incomodava. Reclamava da
vizinha, e dizia querer se mudar o quanto antes.
Mas para si, embora não
admitisse, sentia simpatia pela senhora solitária. Assistiu angustiado a todos
os domingos de espera por convidados que não chegaram, e esperava paciente as
chegadas após as missas semanais. Achava divertido ouvi-la cantar sozinha, e
até já reconhecia algumas músicas.
Algumas vezes, quando sabia que
ela não estava, ia até o portão para afagar o cãozinho e admirar o jardim bem
cuidado, com a pequena calçada de pedras. Depois voltava para casa e se perdia
em lembranças da infância e de sua própria família, agora distante.
Assim se passaram várias semanas.
Ele a observando à distância sem, no entanto, tentar um contato. Ela quieta e
metódica, mas consciente do vizinho que estava sempre à janela.
Determinado dia, ao chegar do
trabalho, ele viu a casa toda fechada. O cachorro também não estava por perto,
e não notou qualquer movimento. Foi assim durante vários dias, e ele passou a
sentir a ausência da vizinha.
Acordava no horário habitual e
ficava no escuro à espera da música, do latido ou do ruído das panelas, mas
nada se ouvia. Sentiu falta dos aromas de café e biscoitos. Vigiava as janelas e
portão, mas nada mudava.
Foi tomado por uma preocupação
crescente. Se lembrou que sequer sabia o nome da senhora, ou de qualquer pessoa
que pudesse lhe informar. Começou a compará-la com a mãe, a avó, as tias que
não via desde que se mudara do interior.
Passou a dormir mal, acordava ao
menor ruído na rua e se levantava várias vezes durante a noite, para olhar pela
janela. Passava os dias irritado e cansado, ansioso para voltar para casa.
Só então percebeu como a simples
presença dela, na casa ao lado, lhe trazia a sensação de pertencer a algum
lugar, de proximidade com alguém, mesmo com os limites que ainda tinham. A
falta dela provoca uma sensação de abandono como nunca sentira.
Então, certa manhã de domingo,
ainda sonolento, ouviu o latido. Pulou da cama em um salto e abriu as janelas.
A senhora tinha voltado!
Podia vê-la andando pela cozinha,
abrindo e fechando gavetas como sempre fazia. Sentiu uma grande alegria, e um
alívio por perceber que ela parecia bem e animada.
Ficou por ali, indo e voltando à
janela, até que ela o viu. Sorriram um para o outro. Quando ela lhe acenou
alegremente, ele a cumprimentou de volta.
“Saudades de você!” – ela falou
“Senti sua falta!” – ele
respondeu, já resolvido a ir até a casa vizinha.
Feliz se apressou no banho, se
vestiu e correu até o portão da vizinha. Sem pensar muito bateu na porta.
Escutou o arrastar de sandálias, e a porta se abriu. Ela sorria, como se
soubesse que ele viria, e lhe ofereceu ambas as mãos, com carinho.
“_ Bom dia! Acabei de preparar um
cafezinho, venha...”
Ela arrumou as xícaras enquanto
ele tirava os biscoitos do forno, como se fosse um hábito entre eles.
Antes de começarem a refeição ele
atravessou a cozinha e ligou o rádio, pois já estava na hora do programa que
ela gostava. Ele imitou o canto do galo para faze-la rir, e se deliciou ao
vê-la cantar algumas canções.
Ficou por ali até o final da
tarde, depois a acompanhou à missa e a trouxe de volta.
Foi assim por muitos outros
domingos, e essa é a história que ele conta até hoje, quando se lembra de sua
querida vizinha.
Nossa, que lindo, me emocionou muito.
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